A nostalgia que reveste o ano de 1968 ultrapassa a geração que nele viveu parte da juventude. Transmitiu-se, como um vírus, a quem ainda era criança ou nem mesmo tinha nascido há quarenta anos. A explicação para esse fenômeno está na propaganda da visão de esquerda segundo a qual, em 1968, parecia possível "transformar o mundo". Para evocar aquele período, os nostálgicos recorrem ao movimento hippie nos Estados Unidos, ou à revolta juvenil em Paris, quando estudantes saíram às ruas com slogans do tipo "A imaginação no poder" – revolta replicada em vários países, inclusive no Brasil, de acordo com as peculiaridades de cada latitude. "Ah, que ano aquele!", suspiram os hoje sessentões. Essa é a visão recorrente e fácil. Mas 1968 pode e deve ser visto sem romantismo. O escritor e diretor italiano Pier Paolo Pasolini, por exemplo, era então um homem sem ilusões. Para ele, a agitação, em que pese toda a gritaria anti-sistema, reforçou o capitalismo ao liberá-lo das amarras de valores arcaicos no terreno do comportamento – valores que o impediam de expandir-se em novas frentes mercadológicas. Ou seja, os que pretendiam derrubá-lo o ajudaram. Sem se darem conta, portanto, hippies, estudantes e outros revoltosos participaram de uma transformação do mundo, sim, mas na direção oposta à pretendida pelo ideário esquerdista – e para melhor, embora Pasolini certamente discordasse dessa conclusão.
No Brasil, a nostalgia de 1968 só pode ser importada. Quando VEJA foi lançada, o país estava prestes a entrar na fase mais cruenta do regime militar – e os que pegavam em armas contra ele desejavam tão-somente implantar outra ditadura. Os indicadores sociais haviam estacionado em patamares africanos: a expectativa de vida era de 53 anos, os analfabetos compunham um terço da população e a renda per capita não chegava a 3 300 dólares. Quanto à infra-estrutura, apenas 7 milhões de casas contavam com energia elétrica e telefone era um privilégio dos mais abastados – o total de linhas não passava de 1,3 milhão. A situação das mulheres ainda ecoava a Idade Média. Apenas uma em cada cinco saía de casa para trabalhar e pouquíssimas usavam métodos contraceptivos. Tanto que a taxa de fecundidade alcançava a incrível média de seis filhos. No ordenamento familiar, cabia-lhes ser submissas e dependentes do marido. Exemplo disso é um anúncio publicado em VEJA, em 1968. Nele, um banco alardeia as vantagens de uma novidade, a conta conjunta, com os seguintes dizeres: "Esta é a melhor maneira de você provar que confia em sua mulher. Reparta com ela a responsabilidade de administrar o dinheiro da família. Ela poderá controlar melhor as despesas domésticas, graças às anotações feitas nos canhotos dos cheques. Ela sempre poderá saber para quem pagou, quanto pagou e quando pagou".
Não, não é preciso ter saudade do Brasil de 1968, como se verá nas próximas páginas. O que houve de bom naquele ano é o que há de bom em todos os anos: o trabalho de milhões de cidadãos, que, a despeito de todas as dificuldades, querem entregar um presente – e um futuro – mais luminoso a seus filhos. São esses cidadãos que constroem um país e que, verdadeiramente, transformam o mundo.
• O mundo, 40 anos atrás
• Brasil
http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_0
Um comentário:
Eu tinha me mudado para São Paulo recentemente, e morava no bairro de Santo Amaro.Nessa noite São Paulo parou!Todas televisões ligadas para viver este momento histórico da humanidade!
Eu estavaq na sala com meus pais aguardando o emocionante momento em que o homem colocaria pela primeira vez seus pés na lua.
Tive o privilégio de viver este precioso momento com muita emoção!
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