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domingo, 7 de novembro de 2010

"Ouro para o bem do Brasil"-1964




Vocês se lembram da campanha do "Ouro para o bem do Brasil" em Catanduva?

O local da doação foi na Pça da República, quando nós crianças estávamos orgulhosos na fila, doando nossos brincos e correntinhas de ouro, junto com nossos pais que doavam suas alianças de casamento, para substituí-las pela aliança de latão, que ostentariorgulhosamente em seus dedos! Quanta inocência!

Quando criança tem-se somente uma ideológica para se preocupar: brincar e gastar energia que se tem de sobra. Na década de 60 parece que alguma coisa não ia muito bem no país. Isto era a conversa nas mesas de jantares em todos os lares. Havia uma preocupação no ar, coisa que eu nada entendia, somente escutava sem refletir nos efeitos. A minha tarefa era buscar as coisas no empório do seu Antonio Oliveira, geralmente feijão, arroz, banha Matarazzo, açúcar cristal, nada de luxo, somente o essencial. Às vezes um luxo era liberado comprando uma Cerejinha, refrigerante cobiçado, seguido de crocante pururuca, que era realmente a pele suína, não havia nada de genérico, fazendo de conta que é, mas não é.


Seu Oliveira pegava a caderneta e marcava as compras feitas. Um dia nas baias dos alimentos a granel, sem aquelas embalagens enfeitadas pelos mercados, faltava feijão. Podia faltar tudo em casa, menos feijão.


O pai trabalhava na construção civil, era um caipira autêntico, meio quieto, sabia tudo da roça, às vezes plantava em terrenos baldios do bairro Jardim São Luiz, em Santo Amaro, mas feijão, naquela época, ele não havia semeado, e era um absurdo um país tão grande não colher feijão. Havia alguma coisa articulando a produção, com insatisfação no ar, era realmente um absurdo. Os mais velhos sentavam em roda numa conversa ou outra, alguém um pouquinho politizado comentava: o Brasil está em situação difícil, tudo que é produção agrícola tem que mandar para os países que o Brasil tem dívida. Era a conta do "dever e haver", tão comum na receita familiar do salário minguado que era o "haver", sendo que o "dever" nunca deveria passar este limite.


Na conversa acrescentavam que os governantes brasileiros estão fazendo coisas erradas. O presidente Jânio deu uma medalha de honra aos comunistas e o vice Goulart foi visitar a China e isso não era bom. Meu cérebro tentava raciocinar, mas aquela conversa era muito complicada para eu entender.


O primeiro renunciou, por influência de uma tal de "forças ocultas", e o outro não podia entrar no país para assumir. Dentro do país deram um jeitinho de colocar um primeiro-ministro, Tancredo Neves, para diminuir o poder do vice, e deste modo com controle político ele assumiu o poder democrático.


Mas aquilo que era dito nas rodas a "parlare" de política e no rádio Bell, a coisa mais valiosa de nossa casa, não interessava muito, pois o que dificultava era faltar alimentos básicos, mais especificamente feijão.


Um dia minha mãe pegou-me pelo braço e arrastou-me a caminhar pela Avenida João Dias, rumo a Santo Amaro, para pegar dois quilos de feijão nos caminhões das cooperativas de abastecimento, em frente à Matriz de Santo Amaro, onde havia uma fila interminável. Não era só o pai que gostava de feijão, era uma "pancada" de gente que pagava de um lado e recebia do outro, dois quilos do precioso grão ensacado num pacote de papel meio pardo. Nós pegamos quatro quilos, quase que eu não alcançava o vendedor na carroceria. Voltamos novamente pela João Dias a pé, não se gastava à toa o dinheiro, pois o operário na realidade não tinha facilidades dos créditos atuais, onde se compra sem ter dinheiro. Vínhamos felizes, pois tínhamos na mão um tesouro alimentar.


Mas parece que as coisas estavam piorando e o descontentamento parava o país. Comentavam que as autoridades eram combatidas pela incompetência de governar, e o poder deveria ser exercido por alguém forte. Tanto falaram que de repente aconteceu a força decantada por alguns: os quartéis, como sempre atentos aos "interesses da nação", deram um golpe dia primeiro de abril de 1964, na madrugada do dia da mentira.


Tudo iria melhorar, agora não iria faltar feijão, e para isso, no Grupo Escolar, teríamos que ficar em fila em sentido militar de "cobrir" e começar a cantar o Hino Nacional, com a bandeira hasteada à nossa frente.


Um dia ensolarado, bom para um "racha" no campinho do Edson, minha mãe arrumou-me com "roupa de missa" para eu ir ao centro da cidade, um lugar bonito, para dar "Ouro para o Bem do Brasil". Minha mãe explicou que tínhamos que ajudar o país a pagar a dívida que os governos brasileiros tinham feito para melhorar nossa situação. Eu não entendia muito de economia, mas pensava no "haver e dever" e a dívida do pai no empório do seu Oliveira nunca era maior do "haver" de seu ordenado. Mas, como era a mãe que tentava explicar o tal de "Ouro para o Bem do Brasil", eu aceitava calado, mas também tinha outra coisa, eu ia num lugar bonito, o centro da cidade de São Paulo.


Havia uma fila enorme, com todos tagarelando numa conversa incompreensível, todos sorridentes, pois iriam ajudar o Brasil a ser grande e não depender de ninguém. Uma ilusão, mas sempre possuímos alguma utopia. Parecia a fila do feijão, mas todos que saíam não traziam nenhum "pacote" na mão.


Conseguimos chegar numa grande sala, no meio desta, um caixote enorme, brilhando com o amarelo do ouro, um tesouro dos piratas saqueadores do "coitadinho do rei", como dizia a professora ensinando história. Em cada um dos cantos havia soldados com elmos enfeitando a cabeça e uniformes em tom branco e vermelho, com coturnos bem engraxados, segurando enormes lanças, nos seus postos inertes, nem piscavam. Eram os Dragões da Independência, criados no tempo do Império, protetores do tesouro do governo revolucionário.


Havia cordões, alianças, anéis, broches, brincos, enfim, uma gama de objetos caros nos dois sentidos: caro por seu valor monetário e caro por ter sido algo que foi uma peça valiosa no sentimento familiar. Recebi de minha mãe para depositar um valor de dinheiro, não era muito, mas era valioso para nós, e caminhando na fila os objetos eram lançados pelo compromisso em recuperar o Brasil. O dinheiro era depositado à parte num canto do caixote. Na saída deram-nos de presente um anel de ferro com os dizeres: "Ouro para o Bem do Brasil - 1964".


Coloquei no dedo, como todos faziam, seguindo para o vale do Anhangabaú para pegar a "condução" de volta para nossa casa. Começaram a ensinar organização política social do Brasil, do modelo instituído, cegavam nossa visão juvenil, fomentando que éramos filhos da revolução do novo Brasil, enquanto faziam ações que tiravam a liberdade de pensamento. Encostei aquele anel mentiroso e nunca mais usei.


Um dia, vasculhando aquela caixa da saudade, inclusive a "saudade do velho" estava lá dentro, e também meus sentimentos, achei aquela farsa do país do futuro, do bolo que jamais cresceu. Iludiram todo o "país", iludiram a simplicidade de nossos "pais".


Onde está o ouro para o bem do Brasil? Queremos o que nos pertence!


e-mail do autor: cafatorelli@gmail.com

3 comentários:

Valéria disse...

me lembro disto!...
também "criança"...ñ entendia muito o q estava acontecendo...só sei dizer q fui lá...enfrentei fila , entreguei meu ouro e saí mt feliz, exibindo meu novo anel pr todos!...SANTA INOCENCIA!...
"ONDE ESTÁ O OURO PARA O BEM DO BRASIL"???
o anel...sei lá...sumiu...ficou "preto"..."enferrujou"...
e nosso ouro..."queremos o q nos pertence!"

vera márcia disse...

É amiga, eu fui outra inocente que fui doar ouro para o bem do Brasil. Fomos com tanto orgulho.

Vou fazer a mesma pergunta.

"ONDE ESTA O OURO PARA O BEM DO BRASIL ????????????

mariângela disse...

onde está o ouro para o Bem do Brasil????
Queremo de volta o que é nosso!!!!