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segunda-feira, 27 de maio de 2013

O fim da revista O CRUZEIRO.





A polêmica foto de Henri Ballot. As baratas sobre a criança foram uma “licença poética” do fotógrafo (foto: cortesia do jornal O Estado de Minas)


Achei interessante a matéria com depoimento  de Flavio Damm e compartilho aqui com os amigos leitores:

A revista que fazíamos nos anos 50 tinha uma feição diferenciada dos jornais conservadores, pobremente ilustrados com fotografias sem apuro jornalístico, tão somente fazendo o registro dos fatos mais importantes do momento. Na publicação semanal que fazíamos, havia variedade de assuntos, tratados de forma ampla, destaques de páginas inteiras e matérias que se estendiam por quatro, seis e até oito páginas de grande originalidade fotográfica.

Coberturas de futebol, desfiles de Sete de Setembro, concursos de Miss Brasil, matérias de interesse popular, reportagens de curiosidades buscadas no interior do Brasil – ocasionalmente reportagens sobre artistas plásticos e peças de teatro – tudo era atração para o leitor de uma publicação que atingiu a tiragem de 750 mil exemplares semanais em agosto de 1954. Havia dinheiro farto, que adentrava pródigo pelo enorme fluxo de publicidade, o que obrigava, em certas ocasiões, a um aumento no número de páginas para atender a verdadeiras corridas de agências, que tinham na Cruzeiro o melhor veículo para seus clientes. Era editado um “dezesseis”, como chamávamos, um caderno extra, de 16 páginas, que nos beneficiava, visto que esse novo espaço previa também matéria editorial: reportagens sem atualidade eram buscadas no arquivo. A disputa nas bancas de jornais era frequente, às terças-feiras, quando a revista era posta à venda nas capitais brasileiras e era comum edições esgotarem em dois, três dias…

Os nossos salários – redatores e fotógrafos – eram os mais altos no país, o que nos tachava de “príncipes” da imprensa brasileira. As nossas câmeras Rolleiflex, quando usadas por dois ou três anos, eram mandadas sem custo para os jornais associados por todo o país, ocasião em que novos equipamentos eram postos em nossas mãos. Pierre Verger, com sua simplicidade – e natural displicência – apareceu no Rio com uma câmera em péssimo estado. José Medeiros e eu fomos ao diretor da revista e pedimos que lhe fosse fornecida uma câmera nova: a ordem foi imediata e veio do estoque uma nova câmera, para a felicidade do francês. Verger era freelancer, não pertencia à equipe. Esse era o clima na Rua do Livramento, onde O Cruzeiro inaugurou a sua nova sede, um majestoso prédio projetado por Oscar Niemeyer, com um painel de Di Cavalcanti na área de entrada e oito murais de Portinari nas paredes do andar da diretoria.

E o sucesso subiu à cabeça dos pensantes da empresa quando surgiu um aventureiro, Wilson Aguiar, arrivista que fora frequentador da sala de imprensa do Ministério da Fazenda na gestão de Horácio Lafer. Com bom trânsito junto ao diretor de O Cruzeiro, Leão Gondim, apareceu com uma notícia-bomba: Juscelino, então presidente da República e às voltas com o início das obras da construção de Brasília, por não contar com qualquer apoio da imprensa para o seu majestoso projeto, “simpatizaria” com a ideia do lançamento de uma edição internacional – em espanhol – da nossa revista. Faria favores financeiros ao projeto de uma Cruzeiro internacional em troca de divulgação da obra que estava desenvolvendo, a sua Novacap, isso em meados dos anos 50.

Leão Gondim não pensou duas vezes: dispensou qualquer opinião ou pesquisa de mercado nos países de língua espanhola e, em curto prazo, a Empresa Gráfica O Cruzeiro despejava dinheiro grosso na contratação de redatores e abertura de sucursais nas principais capitais latinas, de Buenos Aires a Havana, além da abertura de um luxuoso escritório em Nova York, na Madison Avenue, 527.

O representante residia num amplo flat no East Side, na Rua 79. Para dar um “ponto de vista brasileiro” às matérias, os fotógrafos Eugenio Silva, Henri Ballot e eu passamos a viajar pelos países da América do Sul e Central para atender os correspondentes locais. Numa dessas viagens, fotografando para os representantes locais, gastei 44 dias de Havana ao Rio, fazendo escala em oito países…
A impressão da edição em espanhol era no parque gráfico da Rua do Livramento e a revista chegava a Quito, no Equador, dois meses da data de capa e um fracasso se avizinhava a passos rápidos.

Tentativas foram feitas, então, de imprimir em Havana, Miami ou no Chile. Foi examinada também a hipótese de se fazer isso na Filadélfia, para onde viajei com Herculano Siqueira, que era o chefe do escritório em Nova York. Todas as tentativas foram impossíveis de se realizar, pela distância da redação no Rio para acertos gráficos, numa época em que a tecnologia patinava entre o teletipo e o telefone via cabo submarino… Os custos com os escritórios – mais de 20 – sugava o dinheiro que entrava na edição brasileira de O Cruzeiro e sumia pela “edición en español” com uma fluidez vertiginosa. E surgiu então uma verdade que todos desconheciam: cobrado por ajuda, Juscelino respondeu que nunca participou desse projeto, dele sequer tinha ouvido falar. Chateaubriand menos ainda. Leão Gondim ficou estarrecido por ter sido vítima do aventureirismo de um irresponsável, um megalômano que, sem falar uma só palavra em inglês, a todos contava suas aventuras como piloto da Royal Air Force durante a Segunda Guerra Mundial.
Isso era O Cruzeiro, onde logo se avizinhou o desastre. A edição brasileira tinha sido descuidada, começaram cortes de despesas, fora contratado um colunista social que ocupava seis páginas em todas as edições, em detrimento do nosso trabalho com assuntos que interiorizavam a revista, garantindo assim sua (até então) expressiva tiragem. A aparição de uma revista muito bem impressa, a Manchete, também fazia sombra à nossa publicação, com queda de tiragem ladeira abaixo.

Em 1961, um fotógrafo da revista Life, Gordon Parks, veio ao Rio para fotografar, na favela da Catacumba, a miséria da família de José e Nair da Silva, pais de Flávio, menino de doze anos que, mesmo asmático, cuidava de irmãos menores e de afazeres da casa. A reportagem publicada na revista americana mobilizou a arrecadação de recursos, nos EUA, para o tratamento de Flávio naquele país e gerou a compra de uma casa mobiliada para a família no Rio de Janeiro, motivo de outra reportagem da Life mostrando esse feliz e inusitado final.

O Cruzeiro julgou que era esse o seu momento de retornar aos bons tempos, de levantar a opinião pública com suas matérias sensacionalistas, e despachou Henri Ballot para Nova York, pautado para uma resposta, mostrando a miséria do Harlem, quisto de miséria da grande cidade americana. Ballot fotografou Ely Samuel Gonzalez, menino pobre de oito anos de idade, numa enxerga suja, dormindo com baratas sobre seu corpo – que a família da criança revelou à revista Time terem sido propositalmente levadas e espalhadas sobre a criança pelo fotógrafo de O Cruzeiro. A desmoralização da publicação brasileira foi fatal, atingindo em grande parte a já baqueada edição em espanhol, que também publicara a reportagem ilustrada com as baratas levadas pelo Ballot…

Em 1966 O Cruzeiro entrou em processo de falência. Seu título foi oferecido em garantia do pagamento de indenizações de pessoal. Elio Lobianc, gerente de publicidade, foi o beneficiado e a revolução de 1964 encampou o que restava até o falecimento total do que, um dia, e por muito tempo, teve como slogan “a maior e melhor revista da América Latina”.

Flávio Damm é fotojornalista com 65 anos de carreira e dezoito livros de fotografia publicados. Pratica desde sempre o momento decisivo em preto e branco e com câmera fotográfica analógica

http://photos.uol.com.br/materias/ver/71105

Veja tambem outra postagem sobre a revista O Cruzeiro neste blog:
lubedosentasdecatanduva.blogspot.com.br/2011/03/revista-o-cruzeiro-revista-mais.html


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